Desempenho nas alturas

O que caracteriza uma equipe de alta performance e quais são os desafios para gerenciá-la?

 

Crianças e adultos estão boquiabertos, olhando para o céu. O coração parece parar. Ou dispara, a depender de como cada um lida com a emoção ao ver um grupo de oficiais da Força Aérea Brasileira realizar algumas das manobras que parecem de filme. Uma delas é a chamada Folha Seca, na qual o avião inicia uma grande subida. No ponto mais alto, numa linha imaginária perpendicular ao solo, o motor é desligado. Em velocidade zero, a aeronave começa a cair, como uma folha, para um lado. Em outra, bem mais complexa, o grupo de seis aviões voam em formação, mas de cabeça para baixo (ou de dorso). Essa manobra é uma especialidade da Esquadrilha da Fumaça. Em 2006, como lembra o major-aviador (e atual fumaceiro) Alexandre de Carvalho Ribeiro, a equipe alcançou o recorde voando com 12 aeronaves nessa formação.

“Ela é complicada porque todos os comandos do voo ficam invertidos. Ou seja, para fazer uma curva para a direita, o piloto movimenta os comandos no sentido contrário. Isso também vale para subidas e decidas.” Mas o que as demonstrações da Fumaça têm a ver com o mundo corporativo, em especial com a gestão de pessoas? Para Adeildo Nascimento, economista com MBA em gestão de pessoas e liderança e com mais de 12 anos de experiência em RH de empresas de grande porte nacionais e internacionais, há muitas similaridades entre esses mundos, sobretudo quando se trata de temas como confiança, responsabilidade, treinamento intensivo, quebra de paradigmas, além dos aspectos de admissão, permanência e, em especial neste caso, equipe de alta performance.

Nascimento acredita que, num time dessa natureza, a seleção não deve apenas se basear em competências, mas também por propósitos. Todos os membros do grupo devem participar da seleção de novos integrantes. “A Fumaça é um excelente exemplo disso”, conta Nascimento. “Só os melhores ingressam no time e o que corrobora o adjetivo ‘melhor’ é, antes de mais nada, os mais treinados. E o fato de ingressar não significa que os treinamentos acabaram, muito ao contrário. Nesse time, treinar significa buscar a excelência e muitas vezes nas empresas treinar significa corrigir pontos falhos.” Voltemos, então, à Fumaça.

Instrutores
Formada por 13 oficiais aviadores e mais uma equipe de anjos da guarda*, a esquadrilha opera com a aeronave T-27 Tucano (o que está na foto que ilustra a abertura desta matéria), projetada e fabricada pela Embraer, e realiza, em média, 100 demonstrações ao ano. Em cada uma delas, o público pode acompanhar uma série de 55 acrobacias de alta performance que incluem o voo de dorso. Ela foi criada pela iniciativa de jovens instrutores de voo da antiga Escola de Aeronáutica, sediada, então, na cidade do Rio de Janeiro, em 1952. Em suas horas de folga, eles treinavam acrobacias em grupo para incentivar os cadetes a confiarem em suas aptidões e na segurança das aeronaves utilizadas na instrução. Atualmente, Esquadrilha está sediada na Academia da Força Aérea (AFA), em Pirassununga (SP). A tradição se manteve: para integrar o quadro de fumaceiros, o oficial candidato deve ter sido instrutor de voo na AFA, somando 1,5 mil horas de voo (das quais 800 como instrutor).

 

*Quem são os anjos da guarda?
Eles foram apelidados pelos aviadores de “Anjos da Guarda”. Trata-se de uma equipe de graduados especialistas, responsáveis pela manutenção dos aviões. Eles garantem a segurança, a eficiência e a disponibilidade das aeronaves. “O piloto não faz o check list do avião. Ele recebe a aeronave do seu ‘anjo da guarda’ e sai para o voo. Há uma total confiança no trabalho dele”, diz o major Alexandre. Durante uma demonstração, o piloto voa sozinho, mas quando a aeronave está sendo utilizada para deslocamentos, em que não ocorrem manobras, normalmente, o ‘anjo da guarda’ acompanha o piloto, posicionado no assento traseiro.

O piloto, quando entra, vai voar numa determinada posição. No último dos quatro anos em que é possível fazer parte da Fumaça, ele passa a ser o nº 7, que é a aeronave que fica isolada e que se apresenta quando as seis restantes se agrupam para uma outra manobra. Em suas demonstrações, o 7 mostra toda a performance de que o avião é capaz. Mas antes de assumir uma das seis posições do grupo, cada piloto tem de passar por um treinamento que chega a durar de três a quatro meses.

Na escolha de um fumaceiro, o chamado efeito QI não funciona. “Selecionamos nossos companheiros sem interferência de ninguém, da mesma forma que nossos anjos da guarda escolhem os mecânicos que irão trabalhar com eles”, diz o major, reforçando que esse processo é crucial para encontrar alguém em que a equipe confie – afinal de contas, ele estará voando em menos de 2 metros de distância do avião de outra pessoa. Assim, quem entra no grupo tem de ser unânime, o que pressupõe uma reunião de todos para analisar o perfil de cada oficial que se candidata a fazer parte de uma equipe de alta performance como a Esquadrilha. Mas o que vem a ser uma equipe dessa natureza?

Times maduros
Para Susane Zanetti, diretora da ZHZ Consultores e diretora de pesquisa e projetos da ABRH-PR, são times maduros, que têm liberdade para atuar e estabelecer métodos de trabalho, são capazes de executar suas metas, sentem que contribuem com sua existência e possuem um entendimento comum de qual é a sua razão de existir. “O desempenho da equipe depende, forçosamente, do desempenho individual daqueles que a compõem. Seus membros devem ter ou desenvolver, no mínimo, as habilidades comportamentais e técnicas necessárias à execução de suas funções. Igualmente importante é a capacidade para o comprometimento em atingir os objetivos do time e
desenvolver relações interpessoais efetivas, por meio do diálogo e da administração de conflitos”, explica.

E se o desempenho da equipe depende, forçosamente, do desempenho individual daqueles que a compõem, cada indivíduo deve se conhecer e ter muito claro seus pontos forte e fracos. “O autoconhecimento é uma característica extremamente importante; afinal é por meio dele que será identificado se os valores, visão e missão individuais estão alinhados ao objetivo pelo qual estão engajados.” O autoconhecimento permite identificar qual é o efeito que os sentimentos da pessoa têm não só sobre si mesma, mas também sobre seu desempenho. Susane dá um exemplo: um membro da equipe que reconhece sua dificuldade de se comunicar não deixará que más interpretações ocorram e usa o feedback constantemente. “Quem se conhece bem sabe, também, complementar-se. Assim, quem se reconhece como idealizador de ideias se cerca de pessoas executoras, que as implementam.”

Renovação
Na Esquadrilha, o sentimento de equipe e a hierarquia militar evitam que um ou outro ego sobressaia. Na avaliação de Adeildo Nascimento, isso acontece também pela constante renovação do time de fumaceiros (que podem ficar apenas quatro anos no time). Ou seja, saber que não estará no grupo por um longo período pode fazer com que os integrantes tenham o relacionamento interpessoal com os pares e colegas de outros times e patentes como primordial. Mas, nas empresas, lidar com os egos de equipes de alta performance é um dos desafios dos líderes. Outro é ele ser efetivamente um líder e não apenas um gestor de tarefas, conta Nascimento. “Já a principal tarefa do RH é desenvolver líderes capazes de exercer uma liderança inspiradora, e criar, por meio de programas e políticas, um ambiente organizacional que favoreça o surgimento, a manutenção e a multiplicação de times como esse.” Times tão necessários em tempos de alta competitividade das empresas.

E já que dedicação e cobrança por resultados estão na agenda dessas equipes, como lidar com a tensão do dia a dia? “Quando eu faço algo muito bem porque acredito que é o melhor a ser feito, é um cenário. Outra situação, menos saudável e geradora de estresse, é quando a necessidade interna é a da apreciação externa, quando o que é feito depende da avaliação externa maior do que a interna. Nesse caso, a competitividade é alta e, via de regra, prejudicial [para essa equipe de alta performance]“, diz Heide Castro, sócia-gerente da Etos Consultoria, Assessoria e Treinamento. Ela conta que uma das vantagens de fazer parte de um grupo como esse diz respeito à empregabilidade. Esses profissionais são alvos de seleção interna em suas corporações. Várias áreas os requisitam para outras atividades e desafios, bem como o mercado tem buscado pessoas com esse perfil. “Porém, em tudo em que há um bônus também existe o ônus correspondente. A perda do bem-estar é um risco que pode advir do processo. A dedicação e a competitividade são realidade. Temos de aprender a lidar com elas e minimizar os desgastes que tais situações podem acarretar.” Segundo a consultora, ninguém deveria iniciar [a carreira] trabalhando em uma equipe assim, da mesma forma que um atleta não inicia correndo uma maratona. “Há um tempo de estudo, de aprendizado, de preparação e de adequação ao estilo dela [equipe]“, conta.

Por essa razão, cuidar do bem-estar de todos que a compõem está diretamente ligado a estar apto ao perfil pessoal que esse desafio exige. Outro ponto salientado por Heide é que as equipes de alta performance não são assim o tempo todo. “Na curva da Maestria existem as pausas para reflexão, mudança de curso e, principalmente, para internalizar o aprendizado. Elas possuem um perfil especifico de serem voltadas a dar resultados altos, mas podem mudar ao longo do tempo. A entrada de um colaborador novo muda o contexto e a equipe pode passar por momentos de adaptação natural, perdendo sua produtividade. A mudança de estratégia organizacional pode requerer tempo para a adaptação e aprendizagem ao novo escopo, o que fatalmente poderá diminuir os resultados e sinergia”, conclui. Mas em pouco tempo a equipe retoma o curso, ganha altitude e dá um show. Como o pessoal da Fumaça.


Gumae Carvalho

 

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